quinta-feira, 8 de abril de 2010

Ah, a frescura na face de não cumprir um dever ! (Poemas e deveres não cumpridos)


Me programei para escrever um texto hoje. pensei em quais assuntos deveria abordar, o que falar sobre eles. Alguma crítica, algum comentário? Atualidades? Na dúvida, acabei indo ler alguma coisa para achar uma inspiração. Mas só encontrei as mesmas noticias de sempre. Relendo meu último post, lembrei-me de um poema de Carlos Drummond de Andrade, e fui procurá-lo. Pronto, ingênuamente caí na armadilha de prosas e de lá não saí mais. Resultado: Fiquei lendo, lendo, lendo e nada escrevi. Então, para não deixar esse espaço vazio, resolvi publicar um poema de Drummond e outro de Fernando Pessoa. Um referente ao último texto do blog e outro referente ao deixar de cumprir um dever. Relembrando sempre: Poesia é fundamental! Deleite-se.


Receita de Ano Novo!
Para você ganhar

belíssimo Ano Novo cor do arco-íris,

ou da cor da sua paz,

Ano Novo sem comparação

com todo o tempo já vivido

(mal vivido talvez ou sem sentido)

para você ganhar um ano

não apenas pintado de novo,

remendado às carreiras,

mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;

novo até no coração das coisas menos percebidas

(a começar pelo seu interior) novo,

espontâneo,

que de tão perfeito nem se nota,

mas com ele se come,
se passeia,

se ama,

se compreende,

se trabalha,

você não precisa beber champanha

ou qualquer outra birita,

não precisa expedir

nem receber mensagens

(planta recebe mensagens? passa telegramas?)


Não precisa fazer lista de boas intenções

para arquivá-las na gaveta.

Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas

nem parvamente acreditar

que por decreto de esperança

a partir de janeiro as coisas mudem

e seja tudo claridade,

recompensa,

justiça entre os homens e as nações,

liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,

direitos respeitados,

começando pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo

que mereça este nome,

você, meu caro,

tem de merecê-lo,

tem de fazê-lo novo,

eu sei que não é fácil,

mas tente, experimente, consciente.


É dentro de você

que o Ano Novo cochila

e espera desde sempre.
(Carlos Drummond de Andrade)


Ah, a frescura na face de não cumprir um dever!
Ah, a frescura na face de não cumprir um dever!
Faltar é positivamente estar no campo!
Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!
Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros.
Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,
Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que eu saberia que não vinha.
Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.
Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação.
É tarde para eu estar em qualquer dos dois pontos onde estaria à mesma hora,
Deliberadamente à mesma hora...

Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.
É tão engraçada esta parte assistente da vida!
Até não consigo acender o cigarro seguinte... Se é um gesto,
Fique com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida.

(Fernando Pessoa)




Um comentário:

Desarranjo Sintético disse...

Ah! A capacidade de apreciar poesia deveria ser obrigatória. Existem tantas coisas boas! Eu, particularmente não gosto de drummond, mas acho que ele tem citações ótimas!

Abraço.
Fábio.