sábado, 30 de outubro de 2010

DOM QUIXOTE



Muito prazer, meu nome é otário
Vindo de outros tempos mas sempre no horário
peixe fora d'água, borboletas no aquário
Muito prazer, meu nome é otário
na ponta dos cascos e fora do páreo
puro sangue, puxando carroça.


(...) vaidades que a terra um dia há de comer.
Ás de espadas fora do baralho (...)


Por amor às causas perdidas...
Tudo bem...até pode ser
que os dragões sejam moinhos de vento (...)


Ao analisar a vida e o cotidiano, muitas vezes me identifico com frases dessa música, linda aliás. Quando lemos os noticiários políticos, por exemplo, onde se veem deputados, senadores, governadores roubando aos montes, e não acontecendo nada com eles, ou pior, sendo reeleitos novamente e repetindo aquele velho discurso: “O povo fez a justiça, o povo sabia da minha inocência e demonstrou isso nessa eleição” ou discursos parecidos. Se um dia cruzar na rua com esses políticos, ou algum deles vir apertar minha mão, serei educado: “Muito prazer, meu nome é Otário!”.

Outra situação que identifico nessa música é na estrofe que diz: “Na ponta dos cascos e fora do páreo / puro sangue, puxando carroça”. Encontramos centenas de pessoas geniais, fantásticas, inteligentíssimas, desperdiçando seu intelecto em atividades banais. Verdadeiros puro sangues puxando carroças. Se vê muito disso em fábrica, onde a inteligência da pessoa nem sempre é aproveitada, onde apenas se faz um trabalho repetitivo, o dia todo, tornando-se um processo automático, deixando a sua inteligência em segundo plano. Aliás, para eles isso é até bem vindo, posto que raciocinando, o operário logo verá que ganha um salário miserável enquanto o patrão enriquece cada vez mais as suas custas. Então exige-se uma produção absurda, deixando o trabalhador exausto e sem forças para questionar sua situação. Quando encontrar meu patrão pela fábrica, vou cumprimentá-lo: “Muito prazer, meu nome é Otário!”

“Vaidades que a Terra um dia há de comer”. De que adianta ser tão vaidoso, privilegiar o ter ao invés do ser, exibir suas riquezas, suas posses, suas falsas amizades, suas roupinhas de luxo ou o último celular da moda, se o mais importante, que é o caráter, o respeito, a dignidade, a pessoa não tem? Ao encontrar com essa pessoa, serei educado: “Muito prazer, meu nome é Otário!”

“Tudo bem, até pode ser / que os dragões sejam Moinhos de Vento”. Tudo bem, até pode ser que isso não seja uma situação tão importante, que sempre aumentamos nossos problemas, que talvez nossas dificuldades não sejam tão grandes quanto acreditamos. Se você acredita no que escrevi, se dá mais valor a vida do que aos bens, parabéns, talvez sejamos “peixes fora d’água, borboletas no aquário”, e talvez até não seja tão ruim ser um “otário” na visão das pessoas alienadas. Então, quando você me encontrar, me cumprimente e seja educado: “Muito prazer, meu nome é Otário”!

Agora curta a música na íntegra e delicie-se!

domingo, 10 de outubro de 2010

VERDADES QUE ESQUECERAM DE ACONTECER

Houve uma certa repercussão o meu último post, pelo menos por e-mail (não sei porque meus amigos preferem e insistem fazer comentários por e-mail ao invés de comentar no blog ???). Mas, dizia eu, houve uma certa repercussão quando eu disse que admirava boas histórias, mesmo que essas não fossem tão verdadeiras.


Mas é verdade, admiro a mentira sim. Claro que não aquelas mentiras prejudiciais, que tem por objetivo tirar proveito próprio ou que prejudicar alguém, de tirar vantagem, de enganar, mas aquelas mentiras inocentes, aquelas estórias contadas que nunca existiram, a não ser na mente de seus criadores.

Gosto da criatividade e da capacidade de improvisar dos contadores de causos. Em poucos segundos tem que ter a habilidade de conduzir e desdobrar a história para que ela fique o mais convincente possível.

É muito engraçado quando minha família se junta e meus tios se reúnem para contar seus causos. Mesmo sabendo que há no máximo uns 10% de verdade naquelas histórias, é muito interessante perceber como conduzem, alteram e o desfecho que dão a elas.

Já dizia Francis Bacon que “a mentira é mais interessante que a verdade”. Alguns poetas e filósofos defendem que a mentira é o tempero da realidade, o toque que refina o cotidiano, deixa o comum mais belo, elaborado, mais interessante mesmo. E o que é a literatura, a ficção, se não uma mentira bem contada? Ou uma verdade que esqueceu de acontecer...

A verdade pode, talvez, atingir o preço da pérola que mais brilha durante o dia, mas não alcança o preço do diamante ou do carbúnculo que tanto mais brilham quanto mais variadas forem as luzes. Com a mistura da mentira mais se acresce o prazer. Haverá alguém para duvidar que, tirando ao espírito humano as opiniões vãs, as esperanças lisonjeiras, as falsas valorações, as imaginações pessoais, etc., para a maior parte da gente tudo o mais não seria senão uma espécie de pobres coisas contraídas, cheias de melancolia e de indisposição, enfim, desagradáveis?

Francis Bacon, in 'Ensaios - Da Verdade'