sexta-feira, 19 de agosto de 2011

DE REPENTE 30


E foi assim de repente, não mais que de repente, que ela acordou assustada, vinte minutos antes do despertador tocar. Habitualmente ela sempre relutava em sair da cama, chegava a levantar-se quase uma hora após tocar o relógio, e isso que ultimamente estava dormindo cada vez mais cedo. Talvez o sono lhe servisse de subterfúgio para fugir da realidade, pois enquanto repousava ela dava um tempo dos problemas cotidianos.

Deu um salto da cama e posicionou-se frente ao espelho. Com certo espanto admirou-se, analisou-se. Quem era aquela mulher que o espelho refletia? O que aconteceu com o corpo que outrora tinha? Olhava-se e via um rosto amassado, cansado e com olheiras. Tocou seus seios murchos e caídos, sua barriga com estrias, apesar de não ter filhos. Outrora tinha uma tezsuave e macia, mas hoje sua pele era seca e áspera.

 O que acontecera com aquela mulher cheia de vida, de animação, que estava sempre alegre e bem disposta? Seu corpo já não possuía mais curvas, estava cada vez mais magra. Não que estivesse doente ou coisa parecida, mas nem para comer tinha mais ânimo. Seu cabelo, que um dia foi motivo de orgulho, hoje não passava de um emaranhado de fios opacos e sem vida. Tinha um olhar triste e desanimado, transpassava uma fragilidade e um penar que não refletiam com sua personalidade.

Ainda de frente ao espelho, enxergou deitado na cama o corpo gordo daquele estrupício com quem morava há um ano e meio. Depois de dezenas de experiências desastrosas e mal sucedidas, resolveu unir-se ao primeiro cara que quisesse dividir as despesas com ela. Nunca gostou dele de verdade, mas tampouco foi amada.

Tinha certeza de aquele canalha não lembraria que hoje ela estava completando trinta anos. Nem seus raros e escassos amigos, ou seriam apenas conhecidos? Nem ela sabia mais o que eles eram.

A sua mente vieram todos os seus sonhos que nunca foram realizados. Queria ser arquiteta, mas sequer chegou a faculdade. Aspirava uma casa grande, com jardim, cachorros e filhos correndo pelo gramado, mas tudo o que possuía era um quitinete num prédio cheio de infiltrações, mau cheiroso e com vizinhos suspeitos.

O relógio avisava que estava quase na hora de ir trabalhar. Odiava o seu ofício. Era cobradora de ônibus, sua linha transportava trabalhadores braçais fedorentos e mal educados. Tinha que aguentar as cantadas medíocres e grosseiras daqueles brutamontes.

Mas apesar de tudo não perdia as esperanças de uma vida melhor, sabia que um dia a sorte iria lhe sorrir. Apesar de tudo, nunca deixara de sonhar com um futuro bom. Apesar dos percalços da vida, sempre fora uma mulher batalhadora e honesta, uma verdadeira lutadora, que não se conforma com sua realidade, que caí, mas levanta e segue em frente, pois sabe que a vida tem que ser melhor do que a realidade que ela conhece. Se vai vencer ela não sabe, mas não se permite desistir.