Uma reflexão sobre o dia-a-dia, sobre temas da atualidade ou polêmicos. Um pouco de poesia, pensamentos e revoltas também. Enfim, um espaço onde vale tudo, um ensaio sobre a vida.
sábado, 26 de junho de 2010
A CEGUEIRA DA SOCIEDADE
Faleceu dia 18 de Junho de 2010 o único escritor em língua portuguesa vencedor do Prêmio Nobel de literatura, José Saramago. Nascido em Azinhaga, Portugal, em 1922. Muito polêmico, Saramago não tinha medo de manifestar sua opinião: “Me reservo o direito de dizer o que penso, e dizer quando entendo que devo dizê-lo”, afirmava ele.
Seus livros causavam escândalo numa sociedade que não gosta de ouvir o que não lhe agrada. Livros como “O evangelho Segundo Jesus Cristo”, “Caim” e “Ensaio sobre a Cegueira” lhe renderam muitas críticas e inúmeros inimigos. Os dois primeiros livros geraram a fúria da igreja, que não aceita essa liberdade de opinião que ele não abria mão de exercer, mas isso não abalou o autor, que chegou a classificar a bíblia como um manual de maus costumes.
“Ensaio sobre a cegueira”, lançado em 1995 e filmado para o cinema em 2008, é uma belíssima e dura crítica a sociedade mundial. É um livro que nos faz enxergar e, muito mais do que isso, nos faz temer a própria humanidade frente a uma situação de caos. A partir de uma súbita e inexplicável epidemia de cegueira, Saramago nos guia para a desorganização e a superação dos valores mais básicos da sociedade, transformando seus personagens em animais egoístas na sua luta pela sobrevivência. Considerando a cegueira como metáfora, ao longo do romance, Saramago tenta explicar como as pessoas vão se tornando cegas no mundo contemporâneo. Aborda temas como poder, obediência, ganância, desejo, vergonha, violência e abuso sexual. O autor mostra, através desta obra intensiva e sofrida, as reações do ser humano às necessidades, à incapacidade, à impotência, ao desprezo e ao abandono.
Leva-nos também a refletir sobre a moral, costumes, ética e preconceito através dos olhos da personagem principal, a mulher do médico, que se depara ao longo da narrativa com situações inadmissíveis; mata para se preservar e aos demais, depara-se com a morte de maneiras bizarras, como cadáveres espalhados pelas ruas e incêndios; após a saída do hospício, ao entrar numa igreja, presencia um cenário em que todos os santos se encontram vendados: “se os céus não vêem, que ninguém veja”. A obra acaba quando subitamente, exatamente pela ordem de contágio, o mundo cego dá lugar ao mundo imundo e bárbaro. No entanto, as memórias e rastros não se desvanecem.
Em sua obra, Saramago escancara a hipocrisia da sociedade, que se faz passar por boa e atenta as causas sociais, mas que não faz nada para mudar ou transformar essa realidade. Ele abre os olhos do leitor para a realidade do mundo, o caos que pode-se instalar a qualquer momento, as atitudes impensadas de quem está no poder tentando isolar o problema ao invés de estudá-lo. Os temas que a sociedade não quer ver são tratados com desleixo pela mídia, que só passa em sua programação o que dá audiência. No Brasil, por exemplo, em época de copa passa-se a imagem de que todos os brasileiros são felizes e nacionalistas, mas onde estão os pobres, os meninos de rua, os famintos.
Infelizmente Satramago nos deixou, mas sua obra continuará viva, tentando alertar as pessoas aos problemas sociais e culturais que aflige a raça humana, mas que parece que aos olhos da sociedade não tem importância. Como diria o ditado: “O pior cego é o que não quer ver”.
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